Resumo:
No âmbito da ciência contábil, a identificação de passivo intangível, é importante para que os utentes dos relatórios contábeis, tenham uma informação precisa em relação ao patrimônio de uma célula social e os riscos a ele inerentes, inclusive perda de capital, cuja causa pode ser o passivo intangível.
Tendo como referente que é importante a identificação de riscos para os investidores no que diz respeito à precificação de eventual passivo intangível. Apresentamos um breve estudo com o objetivo de colocar luz elementar sobre o tema.
Neste estudo, demonstraremos: alguns vetores encontrados no âmbito dos negócios jurídicos e que podem gerar o passivo intangível; como tal passivo é precificado; como este passivo pode impactar nos dividendos, no preço das quotas/ações, nos resultados das decisões dos investidores e/ou administradores das células sociais.
Palavras-chave: passivo intangível. Valoração de passivo intangível. Fato relevante. Eficiência e dosimetria do fundo de comércio. Ativos e passivos intangíveis.
Justifica-se esta abordagem pela necessidade de uma constante busca da verdade em relação à situação da continuidade e solidez de um investimento, ou seja, a situação da necessidade de uma informação que traga mais transparência dos negócios em função do dever de informar e de diligência dos administradores.
Se faz necessário uma reflexão em relação aos intangíveis, pois os intangíveis ativos, como o fundo de comércio, são precificados e contabilizados na data de sua avaliação; já o intangível passivo é uma probabilidade, ainda não ocorrida na data base da avaliação, é apenas uma predileção lastreada em evidência de riscos. Portanto, os ativos intangíveis devem ser contabilizados no balanço patrimonial e o passivo deve ser referenciado nas notas explicativas e nos relatórios da administração, conselhos e auditorias, por força dos princípios da competência, veracidade e da prudência.
Os labores dos contadores têm se destacado, ao permitir aos investidores, uma identificação de riscos, com base em uma precificação de passivo intangível, via métrica do índice de eficiência e dosimetria, cuja expressão monetária se faz pela diferença entre o retorno, lucro operacional, inferior a 6% do ativo operacional, o qual serve tanto para medir o ativo intangível, fundo de comércio, como o passivo intangível.
A pesquisa aqui relatada e sua conclusão, foi realizada sob o amparo de método científico, denominado de: método do raciocínio lógico contábil.
O passivo intangível diferencia nitidamente dos fundos de reintegração de ativos; e das tradicionais e conhecidas reservas para contingências; e das provisões para contingências: ambientais, sociais, comerciais, de garantia junto a consumidores, trabalhistas, para devedores duvidosos, fiscais, para a indenização de rescisão de contrato de representação ou distribuição, as relacionadas com a logística reversa, entre outras análogas. Ainda que seja um pleonasmo, nunca é demais lembrar que balanços patrimoniais sem o registro das contingências passivas referenciadas, quando existirem tais contingências, resulta em um balanço putativo, que foi maquiado, para atender interesses diversos da fidelidade e probidade. Pois, a prática da ausência generalizada das provisões para contingências citadas, cria uma falácia, que é a origem primária dos balanços patrimoniais putativos.
A responsabilidade dos gestores e dos contadores, em relação à divulgação de ativos e de passivo intangíveis, tem amparo nos princípios pétreos da teoria pura da contabilidade, tais como: da epiqueia contabilística, da competência e o da veracidade, pois, o contador deve ser o guardião da verdade em relação à situação patrimonial de uma célula social. Esta é a sua principal atribuição, até porque as demais decorrem desta.
Um passivo intangível é o passivo invisível em relação às informações constantes das demonstrações contábeis, balanço patrimonial, normalmente disponibilizadas aos utentes, é oriunda, quiçá, de atos de omissão da administração como o dever de diligência, lealdade e probidade, estas omissões ocultam eventuais riscos. Pelo uso e costume da política contábil, o passivo intangível potencial não está contabilizado, por ser passivo não aparente, “invisível ou não identificado de forma explícita”, e tampouco divulgado em notas explicativas ao balanço patrimonial. No entanto, por uma questão de fidelidade, clareza e lógica, à luz dos princípios contábeis da teoria pura da contabilidade, tais como: o da epiqueia contabilística, o da continuidade e o da competência, deveria estar evidenciado nas notas explicativas ao balanço patrimonial, nos relatórios da administração, da auditoria interna e externa, e dos conselhos fiscais e de administração.
Cabe destacar que uma omissão em relação ao passivo intangível, gera uma presunção de responsabilidade (ato ilícito, nos termos do art. 186 do CC/2002) em relação à existência de prováveis perdas e danos patrimoniais futuros, em decorrência de fatos subsequentes à data do balanço.
O passivo intangível, sem sombra de dúvida, e com uma clareza solar, enquadram-se na ambiência dos “fatos relevantes[1]” que colocam em risco os interesses legítimos dos investidores e demais utentes, portanto, devem ser divulgados em sintonia ao inciso II do § 5º do art. 176, combinada com a letra “i” do inciso IV do § 5° do art. 176 da Lei 6.404/1976.
Além dos administradores, são corresponsáveis pela divulgação de fatos relevantes, o contador, o auditor, os acionistas/quotistas controladores, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por força do contrato social ou do estatuto social, que tenham conhecimento do fato relevante. Estas pessoas somente se eximirão de responsabilidade do ilícito, caso comuniquem o fato relevante, existência de passivo intangível, via notas explicativas ao balanço patrimonial. Lembramos a presunção hominis aplicada as pessoas relacionadas como corresponsáveis, de que elas, em decorrência direta de seus cargos e funções, sabiam ou deveriam saber, da existência dos riscos que dão causa a eventual passivo intangível.
O passivo intangível representa risco, distinto e totalmente diverso das provisões ou reservas para contingências, sendo que este passivo possui vetores[2], tais como:
Tais riscos que representam a mola propulsora do passivo intangível, quiçá, no atual momento de desenvolvimento da contabilidade, não seja possível quantificá-los de forma individual, mas compõe um todo. Passivo intangível, que pode ser sinalizado pela existência de um badwill e analisados segundo o índice de eficiência e dosimetria, constante do método holístico[3]. Desta forma, consideram-se passivo intangível o risco com a probabilidade de sua ocorrência, cujo efeito diagnosticado pelo índice de eficiência e dosimetria, a curto, médio ou longo prazo, é o da diminuição do patrimônio líquido, da rentabilidade e do preço das ações/quotas.
O índice de eficiência e dosimetria tem lastro na teoria pura da contabilidade[4], é medido pela fórmula:
EA = (LO+ DF-RF)-(6% AO)
Onde:
EA = Eficiência do Aviamento ou Eficiência do Fundo de Comércio.
LO = Lucro Operacional médio.
DF = Despesas Financeiras médias.
RF = Receitas Financeiras médias.
AO = Ativo Operacional médio.
O índice de eficiência e dosimetria para fins de aferição via termômetro que mede a eficiência do aviamento, é representada pela seguinte expressão matemática:
Índice EA = (EA/AO)*100
O Termômetro da Eficiência de dosimetria do fundo de comércio, meio técnico adequado para aferir a existência de ativos e passivos intangíveis, possui escala de medição. Acima de zero, indica a existência de ativo intangível, abaixo de zero, indica a existência de passivo intangível, conforme segue:
Termômetro da Eficiência do Aviamento |
|
Situação especial |
Maior que 31,0 |
Excelente |
de 9,01 a 31,0 |
Ótimo |
de 6,01 a 9,0 |
Bom |
de 2,01 a 6,0 |
Nascente |
0 a 2 |
Neutro |
0 |
Ruim |
0 a (-2,0) |
Péssimo |
de (-2,01) a (-5,00) |
Tendência à insolvência |
de (-5,01) a (-9,00) |
Perda acentuada do capital |
de (-9,01) a (-31,0) |
Indício do atestado de óbito dos negócios |
Maior que (-31,00) |
A existência de badwill é evidência irrefutável de passivos intangíveis e ausência de goodwill; mas a existência de ativo intangível do tipo fundo de comércio, goodwill, não é fato totalmente excludente de riscos, e, portanto, de passivos intangíveis, até porque risco nulo ou zero, é algo inexistente, mas a ausência de badwill revela que os riscos, vetores do passivo intangível, foram bem administrados e estão minimizados pelo viés econômico.
Sustenta-se que o exame da dosimetria do fundo de comércio guarda intensa similitude com os princípios de mensuração de valor, portanto, possui âncora na teoria contábil do valor.
O teorema do passivo intangível pode ser representado pela seguinte proporcionalidade: quanto mais negativo for o índice de eficiência do goodwill; maior será a existência de passivo intangível. Sendo o contrário também verdadeiro: quanto maior for o índice de eficiência e dosimetria do fundo de comércio, menor será o passivo intangível e maior o ativo intangível.
Verifica-se uma relação simétrica entre o conceito de risco e de passivo intangível, pois é deveras importante, a interpretação de que essa evidenciação do passivo intangível gera reflexo, transparência, contribuindo para a credibilidade dos relatos contábeis, uma vez que considera o valor preditivo dos riscos. Já que é possível que uma gestão se prepare adequadamente para minimizar este “risco” passivo intangível, tendo uma maior probabilidade de superação das dificuldades, já que a célula social, poderá ser afetada com menos intensidade por este passivo intangível. Logo, divulgar e admitir esta informação sobre passivo intangível, no mínimo nas notas explicativas, é algo deveras relevante para os utentes dos relatórios contabilísticos, em especial, os investidores; sendo um ato ético lastreado na boa-fé e responsabilidade dos gestores, auditores e do contador.
O passivo intangível, por ser evento futuro, cuja ocorrência depende da continuidade dos negócios, não deve afetar e compor o balanço de determinação, pois os sócios/acionistas que se desligam, não participam das perdas ou dos lucros futuros, nos termos implícitos no parágrafo único do artigo 608 do CPC/2015. Assim como, também não ocorre a sua quitação, pagamento, em caso de liquidação da sociedade.
A hipótese do pagamento, “liquidação e extinção” dos reflexos do passivo intangível em uma sociedade empresarial, ocorre na suposição da sua distribuição, ou seja, da participação dos sócios nas perdas, prevista no art. 1.007 do CC/2002. Evidenciamos que este ônus do passivo intangível, foi assumido integralmente pelos sócios e não pela pessoa jurídica.
Um passivo intangível não representa uma saída de recursos vinculada à liquidação de obrigação presente ou futura, como as provisões para contingências, e sim, uma diminuição do patrimônio líquido e/ou dividendos futuros. Um intangível é um passivo atípico ao gênero dos passivos contingentes, e como tal, merece tratamento também distinto.
Naturalmente este signatário tem humildade científica suficiente para respeitar as opiniões contrárias de outros estudiosos, que eventualmente consideram as contingências passivas, como sendo sinônimo ou algo equivalente ao passivo intangível; isto, o respeito a possíveis opiniões divergentes ambíguas ou polissêmicas, não significa uma concordância a elas, e sim, um respeito e uma valorização da liberdade de cátedra, muito importante para a evolução do conhecimento contábil. Até porque, a evolução do conhecimento científico é construída a partir de divergências que geram os espancamentos científicos.
Este artigo se propôs, sem esgotar o tema, uma reflexão à luz da ética e o dever de informar e de diligência, em relação à divulgação dos riscos que compõe o eventual passivo intangível, tendo como critério de precificação, o badwill apurado nos termos do método holístico.
O tema do presente artigo trouxe a uma ponderação acadêmica, a distinção entre passivos contingentes existentes na data do balanço e necessariamente reconhecidos no balanço patrimonial à luz dos princípios da competência, da veracidade e da epiqueia contabilística; e o passivo intangível, como um dos eventos subsequentes à data do balanço, e reconhecidos nas notas explicativas em função de riscos aos investidores, de diminuição de rentabilidade futura e do preço de suas ações/quotas.
Quanto à natureza científica deste artigo, esta foi fundamentalmente motivada pela necessidade de propor uma solução ao problema concreto vinculado ao passivo intangível, que é de existência legítima, nas células sociais, e a sua administração tem o dever inalienável de informar, cuja omissão pode ocasionar perdas futuras, com consequências irreversíveis aos investidores.
E por derradeiro, para se valorizar a função da contabilidade de prestar informações para os seus usuários, é deveras importante a valorização do passivo intangível e sua referência nas notas explicativas ao balanço patrimonial.
Concluindo-se que os contadores, os administradores, e os sócios/acionistas controladores são responsáveis pela correta informação da situação patrimonial, incluindo-se os riscos que possam gerar o passivo intangível, consequentemente o badwill.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Lei 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
______. Código Civil. Lei 10.406, de 10.01.2002. Brasília, DF: Senado, 2002.
______. Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.
HOOG, Wilson Alberto Zappa. Teoria Pura da Contabilidade – Ciência e Filosofia. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 186.
[1] Inclui-se no conceito de fatos relevantes: os atos ou decisões administrativas, e/ou fatos de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro relacionado aos negócios que possam influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários e nas futuras distribuição de dividendos e/ou lucros.
[2] Os vetores são os agentes causadores e hospedeiros, passivo intangível, que representam a causa, que está estribada em um conjunto de não-conformidades, que criam o efeito “passivo intangível”.
[3] Detalhes técnicos em relação ao índice de eficiência e dosimetria do fundo de comércio constante do método holístico, podem ser estudados na literatura especializada: Teoria Geral do Fundo de Comércio. Curitiba: Juruá editora, 2018, tomo 9.4, de nossa autoria.
[4] Na teoria pura da contabilidade uma dosimetria é uma unidade de medida física ou monetária específica de determinada grandeza, que é utilizada para servir de padrão e comparação para se aferir uma utilidade. HOOG, Wilson Alberto Zappa. Teoria Pura da Contabilidade – Ciência e Filosofia. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 186.