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Quando a aposentadoria não é sinônimo de parar

Com o aumento da expectativa de vida, brasileiros estendem atuação profissional e seguem trabalhando mesmo depois de se aposentar

Os desafios trazidos pela tecnologia não são um problema para a maioria dos contadores que estão em vias de se aposentar. Pelo contrário, o conhecimento adquirido após anos de experiência, somado ao domínio das novas ferramentas contábeis, é uma verdadeira fórmula de sucesso. Além disso, as grandes transformações estabelecidas com a Nova Lei das Sociedades Anônimas, os IFRS, o sped contábil e a nota fiscal eletrônica demarcam um momento oportuno para o profissional da área. 

Conhecer bem os processos operacionais de suas organizações, ter habilidades para manter contatos em múltiplas áreas e contribuir decisivamente para que as empresas estabeleçam altos padrões de desempenho é um tesouro acumulado ao longo da carreira. Então, por que abandonar o barco justo em uma época tão promissora?

Para quem está disposto a continuar atuando na profissão após a aposentadoria, a consultoria tem sido uma alternativa muito procurada. Para tanto, manter-se atualizado com as novidades, focar o negócio na sua área de especialização, participar de entidades de classe e manter ativos os contatos profissionais são pré-requisitos indispensáveis.

Onde buscar suporte e apoio para essa nova estruturação é um dos desafios encontrados pelos profissionais que estão em vias de sair da ativa. Uma medida importante para enfrentar esse período pode ser o planejamento para a aposentadoria. “A pessoa estava há 30 anos preenchendo parte de seu dia com aquele meio social. De repente, aquilo some, e seus espaços no dia têm que ser ocupados com novas atividades”, afirma o diretor do Instituto de Desenvolvimento Global (IDG-RS), Roberto Corrêa de Corrêa. 

Entre os passos do planejamento, priorizar a qualidade de vida está no topo da lista. A partir dessa visão, o fim de um ciclo pode representar um novo início, e as opções vão além de continuar trabalhando ou parar. 

Fazer trabalho voluntário, viajar, ou se dedicar à religião, por exemplo, são algumas alternativas para quem resolve parar. Caso a pessoa não queira permanecer no mercado, deve procurar algo que lhe dê satisfação. Se preparar para as novas demandas e exigências do mercado, reavaliar conceitos, aprender a dominar as tecnologias, são alguns dos aspectos destacados. 

“O fantasma do ócio somado ao afastamento dos colegas e da organização provocam uma insegurança e medo do desconhecido, exigindo um suporte comportamental mais efetivo, como os programas para aposentadoria”, afirma. Para que se possa ter eficiência em um programa deste tipo, deve-se priorizar a valorização das pessoas através de uma abordagem emocional, de cidadania, pessoal e construção de um novo projeto de vida.

Motivos para não abandonar o mercado

A questão da atualização era uma das maiores dúvidas do contador, consultor e professor universitário Raul Cortepasse, antes de sua aposentadoria. Mas a solução que encontrou tem se mostrado bastante eficaz. Além da assinatura de livros e jornais técnicos, ele assina a resenha fiscal diária, participa ativamente das atividades do Conselho Regional de Contabilidade (CRC-RS), é conselheiro de administração de um escritório de advocacia, entre outras atividades.

Para ele, a principal razão para não parar de trabalhar é que o mercado tem valorizado a pessoa com experiência e que sempre buscou a sua própria atualização. “Não basta que o profissional nos últimos 35 anos tenha atuado na área contábil, mas sim importa o que ele desenvolveu de novas atividades e que resultaram em aumento de lucro às organizações.” As motivações também incluem os aspectos financeiro e pessoal. “O fato de eu me sentir no melhor momento profissional de minha vida, estimula-me a novos desafios e é por esta razão que a cada dia tenho incorporado novos clientes à minha consultoria”, afirma. 

Antes de se aposentar, Cortepasse trabalhou 35 anos como contador. Entre as suas áreas de atuação, figuram a empresa Forjas Taurus, da qual cuidava do setor contábil, e Dana Albarus, onde foi gerente de planejamento tributário. Dois anos antes de encerrar sua atividade como funcionário da Dana, constituiu uma empresa de consultoria tributária, com foco em Incentivos Fiscais da Lei da Inovação. 

Uma vantagem no desempenho atual de suas novas funções é o fato de que, ao longo da carreira como contador em diversas empresas e como professor universitário (atualmente na pós-graduação da Unisinos), Cortepasse ganhou confiança dos empresários, o que facilita muito a sua atuação. “Também é importante o fato de que, nos últimos anos, procurei desenvolver habilidades complementares e que agora me ajudam a fidelizar meus clientes”, afirma.  

Em relação à evolução tecnológica na área contábil e sua velocidade, ele acredita que isso deixa de ser uma limitação de acordo com a maneira como se encara o desafio. “Vale destacar que tecnologia em contabilidade não quer dizer software ou hardware, mas sim conhecimento”, desataca.

Cortepasse dá a dica para quem ainda não se aposentou. “Temos que planejar vivermos com qualidade a partir dos 50 anos. Para isso, além de uma boa saúde, devemos planejar uma atividade gratificante no campo profissional, e a consultoria empresarial, contábil e tributária é uma ótima opção”, afirma. Ele recorda que a prestação de serviços é o segmento que mais cresce no mercado de trabalho. Mas adverte: “não é qualquer serviço que terá demanda garantida, mas sim aquele prestado com qualidade, preço competitivo e com muita ética”. 

 
Amor à profissão garante continuidade no mercado de trabalho

O professor Jorge Bento Souza é aposentado e consultor na área de contabilidade pública. Antes de se aposentar, trabalhou 33 anos, e somente decidiu pelo pedido de aposentadoria pela incerteza apresentada a cada ano na concessão das mesmas. Cada ano, o INSS mudava as regras.

No entanto, foram diversas razões que o levaram a continuar em atividade. Primeiro, a insuficiência do valor da aposentadoria em relação ao padrão de vida que tinha enquanto trabalhava. Em segundo lugar, a perda anual do índice de reposição da aposentadoria. E por fim, o principal motivo dentre todos: o amor que cultivava pela profissão.

O fato de continuar sempre se atualizando e buscando mais especialização foi fundamental para que ele não parasse. Primeiro uma especialização na área de Auditoria, depois o mestrado em Engenharia da Produção, e em continuidade veio o doutorado na área de Administração Pública – que ele está concluindo atualmente, debruçado sobre a elaboração da tese para a conclusão do curso.

Toda essa dedicação ao conhecimento o levaram a um caminho natural: a academia. Já se vão 24 anos de experiência acumulada como professor universitário na Faccat. “Esse período fez com que eu fosse buscar o aprimoramento para poder transmitir com mais qualidade o ensino das disciplinas do curso de Ciências Contábeis”, afirma. 

Mas não parou por aí. A especialização na área pública o fez querer levar o conhecimento para o mercado e foi assim que ele aproveitou a experiência adquirida na profissão e criou uma empresa de consultoria na área pública. “A Gestão (empresa que Souza criou a cerca de dez anos) hoje emprega mais profissionais da área contábil, num mercado em franco desenvolvimento”.

O seu trabalho encarrega-se de formar, treinar e capacitar profissionais que trabalham na área de controle interno das prefeituras. Somente depois de aposentado, realizou mais de mil auditorias setoriais em prefeituras e Câmaras de Vereadores.

E o que para muito pode representar um fator de restrição e temor, os avanços da tecnologia, para Souza, vieram para contribuir no avanço dos negócios. “Hoje as distâncias se encurtam, porque em alguns segundos conectados, podemos tirar as duvidas de uma prefeitura do Mato Grosso, por exemplo. Hoje eu consigo dar uma palestra sobre controle interno conectado a várias pessoas ao mesmo tempo”, afirma.

Informática desafia os mais antigos

Aos 79 anos de idade e em pleno vapor, o contador Ananias Cypriano Alves ainda trabalha no escritório que montou mesmo antes de se aposentar. Em atividade desde quando se alistou no serviço militar, aos 16 anos de idade, ele teve uma série de empregos, todos formais. “Creio que trabalhei uns 35 anos”, diz. 

Para ele, a aposentadoria foi apenas um procedimento burocrático. Porém, o escritório acabou ganhando novos integrantes e, com o passar do tempo, o ambiente profissional ganhou ares mais familiares. 

A esposa e uma filha passaram a integrar a equipe. A pupila de Alvez, inclusive, cursou uma faculdade na área de saúde, mas acabou seguindo os passos do pai, graduou-se em contabilidade. 

Na época em que se graduou, lembra Alves, o currículo era mais extenso do que hoje – estudou sete anos para obter o título na escola de comércio. “Como se dizia, era mesma filosofia de ensino do MEC, para sacerdotes, oficiais militares, professores, e outros. Uma graduação completa, não dava direito a vestibular”, afirma.  

Com o peso dos anos nas costas, Alves contraria os demais entrevistados e manifesta certo incômodo com as consequências da tecnologia. Para ele, não basta ter um computador sobre mesa, já que a informática não é científica, não tem método nem perenidade, muito menos bibliografia didática.

 

 

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