O PIB continua anêmico, a inflação está no teto da meta e os gastos do governo crescem. A conjuntura econômica brasileira impõe novos desafios na era pós-real para manter a estabilidade sem sacrificar o avanço
do País. Após 19 anos do plano econômico bem-sucedido, conjugar essas variáveis é o dilema que o Brasil vive no curto prazo. Ainda mais agora que a sociedade clama por mais justiça social, serviços públicos de qualidade e pelas sonhadas reformas estruturais como a política e tributária.
Alcançada à custa de arrocho monetário para o controle da inflação, este pilar econômico foi a maior conquista
1º de julho de 1994. Há quase 19 anos, o Brasil experimentava uma mudança de paradigma que transformaria de vez o rumo de sua economia. Era implantado o Plano Real, cujas bases ainda hoje estão refletidas no dia a dia da população, desde a ida ao supermercado até o crédito mais farto observado nos últimos anos. A palavra chave desde então tem sido estabilidade.
Hoje, os reflexos são sentidos desde uma ida ao supermercado ao crédito mais farto Foto: divulgação
Alcançada à custa de arrocho monetário para o controle da inflação, este pilar econômico foi a maior conquista do conjunto de medidas adotadas no governo do então presidente Itamar Franco e de seu ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, mas totalmente preservada por seus sucessores. Para os mais jovens, com menos de 30 anos, é difícil imaginar uma época em que os preços aumentavam cerca de 1,5% ao dia, para não dizer quase 3.000% ao ano.
Nos supermercados, o barulhinho das máquinas remarcadoras provocava uma corrida das donas-de-casa às lojas e a inflação corroia o salário dos trabalhadores. Hoje o chamado "dragão" mostra suas garras, mas longe de ter a ferocidade daquela época. E não há como negar. É consenso entre os economistas que a iniciativa configurou-se como o mais bem-sucedido plano de estabilização da economia adotado no Brasil.
Trata-se do mais longevo da história do País nos últimos 40anos. Só entre 1986 e 1994, foram sete tentativas de conter a inflação: Cruzado 1 e 2, Bresser, Verão, Mailson da Nóbrega e Collor 1 e 2. "Planos que funcionavam por três a quatro meses, mas que depois a inflação voltava ao que era", recorda o economista e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Ricardo Eleutério Rocha. "Eles tentaram, de forma artificial, manter os preços estáveis. Esta fórmula pode funcionar no curto prazo, mas não no longo", reforça o também economista Ênio Arêa Leão.
Implementação
Implantada em três etapas, a estabilização se iniciou em junho de 1993. Primeiro, veio a arrumação da casa, com o Programa de Ação Imediata (PAI) que tinha por objetivo reduzir e organizar os gastos da União. Num segundo momento, já em 1994, veio a desindexação dos preços, por meio da Unidade Real de Valor (URV), que serviu de referencial de valores até a desmonetização da velha moeda (o cruzeiro real).
Salários, contratos e preços foram fixados por este indexador publicado diariamente com base em uma cesta de índices e muitos cálculos. Em 30 de junho de 1994, foi editada a medida provisória 542, a MP do Plano Real. Com a moeda passando a ser o real. Desde então, ao longo da trajetória do plano, mesmo diante de fortes ataques especulativos, incertezas políticas e crises econômicas externas pelo caminho, independentemente do governo que estivesse à frente do Palácio do Planalto, o combate à inflação foi perseguido e a tão sonhada estabilidade monetária alcançada.
"O controle da inflação e a consequente estabilidade da economia foi o maior mérito do Plano Real. Isto foi a base para que outras coisas importantes também acontecessem. Foi possível destravar o crédito de longo prazo e o crédito imobiliário, as empresas puderam planejar investimentos, assim como o próprio governo, o que antes a inflação não permitia. Com isso, aumentou a inserção no mercado de trabalho, melhorando também a possibilidade de distribuição de renda", defende o presidente do Instituto Brasileiros dos executivos de Finanças no Ceará (Ibef-CE), Delano Macedo.
"A estabilidade proporciona ganhos especialmente para as pessoas de menor renda, que não têm como se defender da escalada de preços. A ascensão da classe média é consequência direta desta política. Pode-se comparar preços, fazer poupança, investir em educação e tomar dívidas de longo prazo", acrescenta Ênio Arêa Leão.
Novas demandas
Agora, passadas quase duas décadas, pelas conquistas alcançadas, a data não deixa de ser motivo de comemoração, mas também de reflexão. As incertezas da política econômica brasileira - o crescimento ainda é anêmico, a inflação está no teto da meta e os gastos do governo crescem - impõe novos desafios para manter a estabilidade sem sacrificar o crescimento do País. Conjugá-los é o dilema que o Brasil vive no curto prazo.
Ainda mais agora que a sociedade clama por mais justiça social, serviços públicos de qualidade e pelas sonhadas reformas estruturais como a política e tributária.
O QUE ELES PENSAM
Agora é preciso correções
Foi o maior benefício que poderíamos ter para a economia, principalmente pela estabilidade econômica que existia no País há 19 anos. Entretanto, neste momento, já colhemos todos os bônus da estabilização da moeda. Esse bônus já se esgotou. Precisamos, agora, de uma economia voltada para a produtividade. Temos que investir, por exemplo, em infraestrutura, educação, e inovação. O investimento é mínimo e a educação é sofrida.
Carlos Matos
Diretor do Instituto de Desenvolvimento Industrial do Ceará (Indi)
Foi a melhor transformação na economia que o Brasil poderia ter. Porém, após a implantação, era preciso corrigir algumas coisas, mas isso não foi feito e chegamos a situação atual. Estamos novamente com as portas abertas para o novo período de inflação e não vejo nenhuma ação do governo para evitar a elevação. O mercado ainda está bem, pois estamos vendo uma enxurrada de dinheiro a custo baixo na economia, mas isso é artificial.
Cid Alves
Presidente do Sindicato do Comércio Varejista e Lojista de Fortaleza (Sindilojas)