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Corrupção empresarial na mira da lei

Pessoas jurídicas passam a ser responsabilizadas por atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira

Muito se fala no “jeitinho brasileiro”, termo usado tanto para tratar da criatividade quanto para qualificar atos de malandragem e, porque não, de corrupção. Porém, o jeitinho passa a dar espaço ao planejamento, e práticas atreladas a ele devem começar a perder espaço, principalmente nas relações empresariais.

A fim de melhorar a imagem ante as organizações estrangeiras e a população – cansada de atos ilícitos e antiéticos em diferentes esferas da sociedade –, o Brasil começa a investir em leis e campanhas de conscientização focadas em estabelecer práticas mercadológicas mais transparentes e seguras. A Controladoria-Geral da União (CGU) tomou a dianteira no desenvolvimento de medidas norteadoras de práticas “limpas”. É o caso da já consolidada Lei de Acesso à Informação, aprovada em 2011, e da recente Lei Anticorrupção (Lei 12.846), aprovada em agosto de 2013 e em vigor desde o dia 29 de janeiro deste ano.

Em 72º lugar no ranking que mede a percepção de corrupção ao redor do mundo no estudo elaborado pela Transparência Internacional, normas como esta tem pela frente o enfrentamento a um dos principais pontos negativos atribuídos ao País, cujo reflexo vai além da falta de credibilidade depositada sobre nossas instituições. A 7ª Pesquisa Global sobre Crimes Econômicos, realizada pela Price Waterhouse Coopers (PwC), diagnosticou que a parcela de empresas que relataram terem sido vítima de crimes econômicos caiu de 33%, em 2011, para 27%, em 2014, apesar de, globalmente, os casos terem subido de 34% para 37%. No entanto, as perdas com fraudes cresceram: 62% em crimes com prejuízos superiores a US$ 100 mil, em comparação com 47% em 2011.

O relatório da PwC salienta que o aumento da detecção das fraudes por meio de auditoria interna, procedimentos de segurança corporativa e de medidas como a rotatividade dos membros de determinadas equipes revela reforço nos controles corporativos. Por outro lado, os 74% que responderam ser a oportunidade o fator preponderante para cometer uma fraude confirmam que a prevenção é a chave para o combate ao crime econômico. É para diminuir essa porcentagem e fechar o cerco sobre as fraudes que surge a Lei Anticorrupção, voltada especificamente para empresas privadas com negócios com órgãos públicos, mas que acaba por atingir todas as empresas de grande, médio e pequeno porte.

O surgimento da Lei Anticorrupção decorre de uma série de tratados internacionais dos quais o Brasil é firmatário e que praticamente impunham a existência de mecanismos de combate à corrupção, inclusive em proteção ao patrimônio público estrangeiro. Segundo o advogado Rafael Maffini, ao adequar-se “o Brasil passa a figurar no cenário mundial ao lado de outros países que já há muito tempo possuem instrumentos como os trazidos agora”.

Para o contador e sócio da PwC Brasil na área de consultoria de gestão de negócios para a região Sul, Jerri Ribeiro, a grande importância da lei é a melhora do ambiente de negócios no Brasil e o aumento do respeito às leis vigentes. “Paralelamente, as empresas devem estar preparadas para se proteger”, alerta. Ribeiro indica que os profissionais estudem a normativa, entendam os trâmites e os requerimentos e procurem ajuda de profissionais. 

Com a Lei Anticorrupção, as empresas envolvidas em infrações passam a ser responsabilizadas, ao contrário de antes, quando as companhias poderiam alegar que a infração foi motivada por um ato isolado de um funcionário e um servidor público. Como punição, é permitida a aplicação de multas de até 20% sobre o faturamento anual bruto de uma empresa envolvida em corrupção, bem como a proibição de participação em licitações públicas. A lei abrange empresas nacionais e sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro.

Compliance entra de vez para o vocabulário do mundo dos negócios

A Lei Anticorrupção prevê a “existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”. Em outras palavras, o texto indica a criação de um programa de integridade, também chamado de compliance (conformidade, em inglês). 

Seja através do investimento em pessoas e departamentos ou da terceirização do serviço de auditoria, as empresas têm de “estabelecer ferramentas para atender aos requerimentos dos regulamentos do negócio”, sugere Jerri Ribeiro, da PwC. E o compliance é o responsável por isso.

A demonstração de que a empresa se esforçou para evitar a prática de ilegalidades, inclusive, pode lhe favorecer sensivelmente, atenuando as multas ou afastando a responsabilidade da pessoa jurídica, como ocorreu, por exemplo, com a instituição financeira Morgan Stanley. “É por isso que os americanos dizem: plan now or pay later (planeje agora ou pague depois)”, adverte o advogado Luciano Feldens. 

Disseminado em outros países, o termo começa a ganhar espaço entre os brasileiros e suscita dúvidas em torno da forma como os programas de integridades serão, e se realmente serão, adaptados à realidade brasileira. O auditor Rui Bezerra defende que “compliance não tem pátria”. “Esta palavra da língua inglesa expressa o que devemos fazer com as leis, regulamentos, normas. Devemos cumpri-los e nada mais”, determina. 

Contadores e auditores são peças-chave para aplicar as práticas corporativas

O fechamento do cerco tem influência direta sobre o trabalho dos profissionais contábeis e auditores internos. Segundo o contador e diretor do Conselho Federal de Contabilidade, Enory Luis Spinelli, as mudanças não tratam propriamente do acúmulo de obrigações sobre os ombros do contador, mas do investimento e fortalecimento dos mecanismos de controle interno principalmente contra os desvios de conduta, visando prevenir atos ilícitos. “Os profissionais da contabilidade têm o dever de seguir o que preceitua o código de ética e não compartilhar de decisões para acobertar o ilícito por meio de arranjos contábeis criativos”, enfatiza.

Para o contador e diretor do Instituto de Auditores Internos do Brasil (IIA Brasil), Rui Bezerra, o auditor interno é um elemento importante neste contexto. “Temos que falar de controle interno, governança corporativa e ética. E neste contexto, o auditor interno é a peça-chave. É ele quem faz a leitura de todo o ambiente corporativo, os níveis de governança e a robustez do controle interno.”

No entanto, Bezerra enfatiza que o auditor não é único agente e não se pode considerar apenas o ambiente interno para o estabelecimento de novas e mais modernas diretrizes empresariais, mas ter em vista as melhores práticas do mercado. “Nenhum trabalho de auditoria interna pode ser realizado sem o equilíbrio com o ambiente legislativo vigente”, destaca. 

O grande desafio se instala aí. Adaptar-se à Lei Anticorrupção requer grande interesse das organizações e força de vontade dos profissionais. A responsabilização das organizações em atos ilícitos não retira ou diminui o compromisso e o dever dos profissionais contábeis. É preciso continuar atento, pois, se tiver induzido ou contribuído materialmente para a prática de algum delito, o contador pode ser responsabilizado.

O professor de direito da Pucrs e advogado Luciano Feldens explica que o profissional de contabilidade deve agir com inteira lisura no exercício de sua atividade, sob pena de também responder pelos atos com os quais tenha contribuído. “É uma profissão diretamente atingida pela lei de lavagem de dinheiro, sobretudo pela reforma de 2012, que instituiu a obrigação de reportar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) operações suspeitas de seus clientes”, justifica Feldens.

Ausência de regulamentação dificulta estabelecimento de novas diretrizes 

Alguns aspectos da Lei Anticorrupção ainda precisam ser regulamentados pelo Executivo. Mesmo os parâmetros de avaliação de mecanismos internos de combate à corrupção adotados pelas empresas seguem sem um regimento em que se basear. 

A falta de padrão normativo preocupa os especialistas e abre brechas para julgamentos ainda mais subjetivos do que qualquer assunto judicial pressupõe. Os estados e municípios, capazes de ajuizar ação com vistas à aplicação de sanções às pessoas jurídicas infratoras, aguardam uma regulamentação federal para tomar como referência. 

Diretor do IIA Brasil, Rui Bezerra espera que antes sejam realizadas audiências públicas reunindo os principais atingidos pela nova medida. “A regulamentação tem que vir com a ajuda dos institutos e não depender apenas das decisões do Congresso Nacional.”

Jerri Ribeiro, contador e sócio da PwC Brasil, diz que, com a entrada em vigor da Lei 12.846 em janeiro deste ano, se esperava que ainda em fevereiro fosse realizada sua regulamentação ou dado algum passo em direção ao que viesse a se tornar o texto definitivo. “Contudo, ainda não existe nem uma previsão de quando ela deverá ser regulamentada”, lamenta Ribeiro. Aos grandes interessados, resta esperar e iniciar a adaptação à novidade.

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